Uma Análise do Relatório Goldman Sachs “The Path to 2075 – The Positive Story of Global Aging”
Uma Análise do Relatório Goldman Sachs “The Path to 2075 – The Positive Story of Global Aging”
É com imenso prazer que escrevo sobre um dos mais prementes e, paradoxalmente, otimistas tópicos da nossa era: o envelhecimento global.
Este fenômeno, frequentemente enquadrado como um desafio assustador, revela-se, sob uma ótica mais atenta e informada, uma das maiores oportunidades para o desenvolvimento humano e econômico.
A minha perspetiva sobre este assunto tem sido moldada, em grande parte, pelo meu trabalho em Longevidade Ativa e Harmonia Intergeracional, e encontro uma validação poderosa para as minhas convicções no recente relatório da Goldman Sachs Research, “The Path to 2075 — The Positive Story of Global Aging”. O Goldman Sachs Group, Inc. é um banco de investimentos e serviços financeiros norte-americano, multinacional, fundado em 1869.
Este relatório não é apenas mais um estudo demográfico; é uma reorientação da narrativa. Convida-nos a transcender a visão fatalista de uma “bomba-relógio demográfica” e a abraçar a complexidade e o potencial inerente a uma população que vive mais e, crucialmente, vive melhor.
Para mim, profundamente envolvida na promoção de uma sociedade mais inclusiva e resiliente face ao envelhecimento – uma causa que defendo não só através do meu trabalho, mas também na minha função como diretora na Associação StopIdadismo de Portugal – este documento serve como um farol, iluminando o caminho para um futuro onde a longevidade é um ativo a ser celebrado e maximizado.
Redefinida a Percepção do Envelhecimento: Mais Anos, Mais Saúde, Mais Capacidade
A premissa fundamental que orienta o meu trabalho e que é magnificamente reforçada pelo relatório é que “o aumento da esperança de vida é um desenvolvimento fundamentalmente positivo”.
Durante muito tempo, o discurso público centrou-se nos encargos econômicos e sociais de uma população mais velha. No entanto, esta é uma visão unidimensional que ignora a realidade multifacetada do envelhecimento.
O relatório da Goldman Sachs sublinha um ponto essencial para o meu conceito de Longevidade Ativa: não estamos apenas a viver mais tempo, estamos a viver de forma mais saudável.
70 é, comprovadamente, o novo 53
A capacidade funcional dos indivíduos mais velhos tem vindo a melhorar notavelmente. Uma citação que ressoa profundamente comigo e com a qual me identifico é a observação do relatório de que “uma pessoa que tinha 70 anos em 2022 tinha a mesma capacidade cognitiva de uma pessoa de 53 anos em 2000”. Esta constatação não é meramente acadêmica; ela tem implicações profundas na forma como percebemos a idade e o seu impacto na nossa capacidade de contribuir. Essencialmente, “70 é os novos 53”.
Isto significa que o conceito de “velhice” está a ser redefinido em tempo real.
A Longevidade Ativa, tal como a conceitualizo, não se foca apenas em adicionar anos à vida, mas em adicionar vida aos anos. É a promoção de uma existência plena, engajada e com propósito, onde os indivíduos podem continuar a participar ativamente em todas as esferas da sociedade – econômica, social, cultural e cívica – independentemente da sua idade cronológica.
O relatório reforça esta ideia ao desafiar a suposição de que o aumento da esperança de vida apenas “aumentará a quantidade de nossas vidas que passamos na ‘velhice’”.
Em vez disso, sugere que estamos a “prolongar a duração de todas as fases da vida – ‘jovem’, ‘meia-idade’ e ‘velha’”. Esta perspetiva é crucial para desbloquear o potencial inexplorado das populações envelhecidas.
A Questão da Fertilidade: Um Pilar Controverso e Crucial na Demografia Global
Um dos aspetos mais debatidos e, por vezes, mal compreendidos do envelhecimento populacional é a questão da fertilidade.
O relatório da Goldman Sachs dedica uma atenção significativa a este tópico, e é um ponto que tem sido central nas minhas próprias reflexões sobre a Longevidade Ativa e a Harmonia Intergeracional.
A taxa de fertilidade global tem vindo a cair drasticamente, passando de 5.4 em 1963 para os atuais 2.1. O relatório observa que esta diminuição é mais acentuada nas economias emergentes.
Tradicionalmente, a taxa de fertilidade de substituição — o número de nascimentos por mulher necessários para manter uma população estável, geralmente citada como 2.1 — é vista como o limiar crítico. Se a taxa de fertilidade cair abaixo deste nível, espera-se que a população comece a diminuir.
No entanto, o relatório apresenta uma perspectiva inovadora e vital para a minha compreensão do futuro demográfico: se a esperança de vida continua a aumentar, a taxa de fertilidade de substituição necessária para a estabilidade populacional é, na verdade, significativamente mais baixa, situando-se em torno de 1.6-1.7.

Esta nuance é fundamental. Ela explica por que razão muitas economias desenvolvidas têm mantido um crescimento populacional positivo, apesar de as suas taxas de fertilidade estarem abaixo de 2.1 há mais de 50 anos.
Para mim, isto valida a ideia de que não podemos olhar para a fertilidade isoladamente. Ela é uma peça de um puzzle demográfico muito maior, interligada com a longevidade e a capacidade funcional da população.
A diminuição das taxas de fertilidade, embora desafiadora em termos de sustentabilidade de sistemas de segurança social e força de trabalho, também tem um lado positivo, como o relatório aponta: ajuda a estabilizar a população global, mitigando preocupações anteriores sobre a utilização de recursos e as alterações climáticas.
As projeções da ONU foram revisadas para baixo devido à queda da fertilidade, com o pico da população global agora esperado em aproximadamente 10.3 bilhões em cerca de 50 anos, em vez dos mais de 11 bilhões previstos para o final do século. Apesar disso, a população global ainda deverá aumentar significativamente nos próximos 50 anos.
Este cenário complexo reforça a urgência de repensar as nossas estruturas sociais e económicas para acomodar esta nova realidade, e não apenas de lamentar o declínio da natalidade.

Longevidade Ativa em Ação: O Redesenho da Vida Profissional e a Luta Contra o Idadismo no Trabalho
Um dos pilares do meu trabalho em Longevidade Ativa é a reavaliação da vida profissional.
O relatório da Goldman Sachs fornece dados irrefutáveis que apoiam a minha tese: a vida profissional efetiva média tem aumentado.
Segundo o Relatór, desde o ano 2000, em economias desenvolvidas, a vida profissional efetiva mediana aumentou 12%, passando de 34 para 38 anos, enquanto a esperança de vida aumentou 5%. Isto demonstra uma adaptação intrínseca das sociedades ao aumento da longevidade.
Esta extensão da vida profissional não é, a meu ver, uma imposição ou um resultado da necessidade econômica pura, mas uma evolução natural impulsionada pela melhoria da saúde e pela capacidade de continuar a contribuir.
O relatório observa que “há uma ligação mais forte entre as mudanças nas vidas profissionais efetivas e a esperança de vida entre os países do que entre as mudanças nas vidas profissionais efetivas e os aumentos na idade oficial de aposentadoria, reforma ou de pensão”. Isto sugere que as pessoas estão a trabalhar mais tempo porque podem e querem, e não apenas porque são obrigadas. É uma manifestação direta da Longevidade Ativa em ação.
No entanto, aqui reside uma das maiores fricções: o idadismo no local de trabalho. Como diretora da Associação StopIdadismo de Portugal, tenho testemunhado o impacto devastador dos estereótipos e preconceitos relacionados com a idade.
Apesar das evidências de que os trabalhadores mais velhos são tão produtivos, comprometidos e adaptáveis quanto os mais jovens – e muitas vezes trazem uma riqueza de experiência e sabedoria que é insubstituível – eles enfrentam discriminação na contratação, promoção, acesso a formação e até mesmo em situações de despedimento (RIAGE, 2025; People Managing People, 2025). Muitos relatos indicam que a discriminação etária no local de trabalho leva a menor potencial de ganhos, isolamento, solidão, depressão e ansiedade para os trabalhadores mais velhos (ASEonline, 2024).
Para mim, Longevidade Ativa também significa flexibilidade.
O mercado de trabalho deve adaptar-se para acomodar as necessidades e capacidades de uma força de trabalho multigeracional. Isto pode incluir horários de trabalho mais flexíveis, oportunidades de trabalho a tempo parcial, ou o incentivo à requalificação e à aprendizagem ao longo da vida. Ao fazê-lo, não só capacitamos os indivíduos a prolongar as suas carreiras de forma sustentável, mas também aproveitamos a riqueza de experiência e conhecimento que as gerações mais velhas trazem.
Combatemos o idadismo ao reconhecer e valorizar que a idade não é um impedimento, mas um atributo.

Harmonia Intergeracional: Tecendo Pontes, Não Barreiras
Ao lado da Longevidade Ativa, o meu foco primordial tem sido a promoção da Harmonia Intergeracional. O envelhecimento populacional, se não for gerido com uma visão intergeracional, pode levar a tensões e divisões. Contudo, acredito firmemente que, quando as gerações são encorajadas a interagir, colaborar e aprender umas com as outras, o resultado é uma sociedade mais coesa e resiliente.
O relatório da Goldman Sachs, ao abordar a extensão da vida profissional, indiretamente reforça a importância da Harmonia Intergeracional.
Se pessoas de diferentes idades estarão ativas no mercado de trabalho por mais tempo, a colaboração entre elas torna-se não apenas desejável, mas essencial.
Em vez de uma competição por empregos, a Harmonia Intergeracional propõe uma sinergia onde a experiência e a sabedoria das gerações mais velhas podem ser combinadas com a inovação e a energia das gerações mais jovens. Pensemos em programas de mentoria reversa, onde os mais novos ensinam as últimas tendências tecnológicas aos mais velhos, e estes partilham a sua experiência profissional e de vida.
O relatório destaca que, “apesar do grande declínio nas taxas de idade ativa dos DMs que já ocorreu, as taxas de dependência dos DMs realmente caíram”. Esta é uma prova empírica de que o envelhecimento não é, por si só, um fardo insustentável.
Em termos mais simples: Apesar de haver menos pessoas em idade de trabalhar nas economias mais ricas, a proporção de pessoas que são consideradas “dependentes” (crianças e idosos que não estão no mercado de trabalho) em relação a quem está a trabalhar não aumentou como seria de esperar, mas sim diminuiu.
A minha visão da Harmonia Intergeracional baseia-se na ideia de que as gerações mais velhas não são apenas “consumidoras” de recursos, mas “contribuidoras” ativas para o bem-estar social e econômico. Isto pode manifestar-se no voluntariado, no empreendedorismo ou na partilha de conhecimentos e habilidades dentro das comunidades.
A Harmonia Intergeracional é a chave para transformar um possível “fardo” num recurso valioso, ao mesmo tempo que desmantela os mitos idadistas que segregam as gerações.
Desmistificando Mitos e Acelerando a Adaptação: O Papel Crucial da Consciencialização Antiiadismo
Um dos maiores mitos que o relatório e o meu trabalho procuram desmistificar é a inevitabilidade de um colapso dos sistemas de segurança social devido ao envelhecimento.
Embora o relatório reconheça que “o aumento dos custos das pensões do setor público continua a ser uma preocupação para algumas economias”, ele imediatamente contrapõe com a solução mais eficaz: “o meio mais eficaz de contrariar o impacto do envelhecimento nas taxas de dependência é estender a vida profissional”.
A adaptação ao envelhecimento não é apenas uma questão de números e políticas; é uma questão de mentalidade.
O idadismo é um dos maiores obstáculos a esta adaptação. Ele manifesta-se em atitudes, preconceitos e práticas discriminatórias que subestimam as capacidades dos mais velhos e os excluem da participação plena na sociedade. Como diretora da Associação StopIdadismo de Portugal, a minha missão é precisamente essa: educar, sensibilizar e advogar por uma mudança cultural que erradique estas barreiras.
O relatório da Goldman Sachs conclui que “as transições são muitas vezes difíceis de gerir, mas esta é uma transição que estamos atualmente a gerir bem”. Esta afirmação otimista valida o meu trabalho e a minha crença de que, com as estratégias certas, podemos não só navegar na transição demográfica, mas prosperar nela.
Para acelerar esta adaptação, é fundamental investir na educação ao longo da vida, tal como o relatório sugere: “o número médio de anos que as pessoas passam na educação também tem vindo a aumentar ao longo do tempo.
À medida que a esperança de vida aumenta, todas as fases da vida estão a prolongar-se, tornando lógico para os indivíduos tanto prolongar o seu tempo na força de trabalho como investir mais anos na educação”. Esta é uma estratégia de investimento a longo prazo nas pessoas, que lhes permite manterem-se relevantes e capacitadas num mundo em constante mudança.
O Papel Transformador da Tecnologia e da Inovação Social
No meu trabalho, vejo a tecnologia como um facilitador chave tanto para a Longevidade Ativa quanto para a Harmonia Intergeracional.
O relatório da Goldman Sachs aponta que “melhorias na produtividade impulsionadas pela tecnologia (em particular, aquelas impulsionadas pela IA) poderiam aumentar o PIB per capita, enquanto melhorias na robótica poderiam ser especialmente benéficas nos cuidados a pessoas idosas”.
Eu expandiria esta visão: a tecnologia não deve apenas ser uma ferramenta para otimizar os cuidados ou a produtividade, mas um meio para empoderar os mais velhos, permitindo-lhes manter a sua independência, saúde e participação social.
Para a Harmonia Intergeracional, a tecnologia tem o potencial de construir pontes sem precedentes.
As redes sociais, os jogos online e as plataformas de aprendizagem colaborativa podem tornar-se espaços onde as gerações interagem naturalmente, partilham interesses e constroem relacionamentos.
A tecnologia pode facilitar programas de mentoria virtual, onde a sabedoria dos seniores pode ser partilhada com jovens aspirantes, independentemente das barreiras geográficas.
Ao promover esta interação, a tecnologia ajuda a desmantelar os preconceitos, mostrando as capacidades e o valor de cada geração.
Olhando para 2075 e Além: Uma Sociedade que Atinge a Excelência com a Sua Idade
A visão que procuro construir, e que ecoa no otimismo do relatório Goldman Sachs, é a de uma sociedade que “se mostra excelente com a sua idade”. Uma sociedade onde a Longevidade Ativa é um direito e uma oportunidade para todos, e onde a Harmonia Intergeracional é a força motriz para o progresso social e econômico.
Isto exige um compromisso abrangente. No plano das políticas públicas, precisamos de:
- Reformas nos sistemas de pensões que incentivem a flexibilidade na idade de reforma e recompensem a contribuição contínua;
- Investimentos em infraestruturas e serviços que apoiem o envelhecimento saudável e ativo, incluindo transporte acessível, moradias adaptadas e acesso a cuidados de saúde de qualidade.
- Programas de inclusão digital e literacia tecnológica para todas as idades são vitais.
No plano empresarial, as organizações devem abraçar a diversidade etária como um imperativo estratégico, reconhecendo que equipas multigeracionais são mais inovadoras e resilientes. Isto implica políticas de recursos humanos que apoiem a aprendizagem contínua, o bem-estar dos funcionários de todas as idades e a flexibilidade no trabalho. Em nível individual e comunitário, a mudança de mentalidade é talvez a mais crucial.
É fundamental que as empresas combatam ativamente qualquer forma de discriminação etária, desde a contratação até à progressão de carreira.
Precisamos de desafiar os estereótipos negativos sobre o envelhecimento e celebrar a riqueza da experiência e da sabedoria que as gerações mais velhas possuem.
As famílias devem ser encorajadas a fomentar os laços intergeracionais, e as comunidades a criar espaços e atividades que promovam a interação entre todas as faixas etárias.
O relatório da Goldman Sachs, “The Path to 2075”, é mais do que uma análise económica; é um convite à ação. É a validação de que o caminho para uma sociedade que envelhece com sucesso não é através da negação ou da lamentação, mas através da adaptação inteligente, da inovação e de um compromisso inabalável com a Longevidade Ativa e a Harmonia Intergeracional.
Sinto-me profundamente honrada em contribuir para esta transição transformadora e otimista.
- Recuperado de https://www.gspublishing.com/content/research/en/reports/2025/05/20/2d3fe290-10b1-44be-8d0e-77b8d303928f.html
- Banco Mundial. (2023). Population Ageing and the Global Economy: Challenges and Opportunities.
- Organização Mundial da Saúde. (2021). Década do Envelhecimento Saudável 2021–2030.
- United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division. (2022). World Population Prospects 2022.





